aqualtuneA princesa guerreira

Sobre Aqualtune, sabemos mais mito que verdade. A tradição diz que ela foi uma princesa guerreira, filha do Manicongo (rei) do Congo, e que teria lutado com o pai na Batalha de Mbwila (1665), contra os portugueses e os grupos Jaga. Teria sido nessa batalha em que foi capturada e escravizada, enviada ao Castelo de São Jorge da Mina para ser transportada ao porto do Recife, caminho esse de tantos outros africanos da época. Daí, ela teria sido vendida na capitania de Pernambuco como escrava reprodutora e rotineiramente estuprada para gerar mais mão de obra para o perverso sistema escravista. Porém, enquanto grávida, com sua força guerreira e linhagem nobre reconhecida pelos escravos do engenho em que estava, ela teria conseguido reunir um grupo e escapar para o Quilombo dos Palmares, que estava no seu auge no período. Foi lá que teve seu filho, que viria a ser conhecido como Ganga-Zumba, o grande líder deste quilombo; e seu neto teria sido Zumbi.

E de fato, fontes da época relatam que um dos agrupamentos dentro do complexo de Palmares tinha o nome de “Aqualtune” e que era chefiado pela mãe de Ganga-Zumba. A maioria desses mocambos levava o nome do seu chefe, então pode-se assumir que seu nome era de fato Aqualtune. Além disso, a última informação que temos sobre ela é que teve o seu mocambo atacado, mas que apenas sua aia foi encontrada pelas forças portuguesas. Não sabemos que fim teve, ou até que parte o que contam sobre ela ocorreu de fato.

Mesmo que os detalhes acerca da sua história sejam por vezes  incongruentes e possivelmente inventados, isso não faz que a história de Aqualtune seja menos verdadeira. Certo, é provável que ela tenha chegado ao Brasil muito antes de 1665 (afinal, Ganga-Zumbo já era adulto e com quatro mulheres em 1670); que ela tenha sido filha talvez não do próprio manicongo, mas de algum dos vários chefes locais subordinados a ele. Porém, os diversos detalhes que colocam Aqualtune aportando em Recife, sendo rotineiramente estuprada e depois conquistando a sua liberdade em uma fuga a Palmares refletem a realidade de milhares de mulheres escravizadas. Além de provavelmente refletir o que a verdadeira Aqualtune de fato passou antes de chegar a Palmares e dar luz a Ganga-Zumba.

Mais que isso, essa história reflete a permanência de um substrato de tradições orais africanas, cujo costume principal para legitimar as comunidades políticas é o de recontar histórias de origem das dinastias reinantes. Nessa comunhão de grandes nomes e eventos históricos, tecendo as lendas de Aqualtune em uma longa história oral, honramos a nobreza e a força não só dessa mulher negra que foi Rainha de Palmares, mas de tantas outras que tiveram as suas vidas tão cruelmente marcadas pela crueldade colonizadora.

“Aqualtune Ezgondidu Mahamud” - invenção, juntando nomes mulçumanos quando o congo, que seria o reino dela, era cristão.

Batalha de Mbwila

Aqualtune: Filha do Rei do Congo, a princesa foi vendida como escrava para o Brasil, em razão das rivalidades existente entre os diversos reinos africanos. Segundo o que aponta alguns estudos, Aqualtune era avó de Zumbi dos Palmares. Morreu queimada, quando já era idosa.

O folheto de cordel intitulado “Aqualtune” trata da história de uma Princesa guerreira, filha do rei do Congo, que liderou um exército de 10.000 homens em batalha. Foi derrotada, capturada e vendida como escrava reprodutora, cuja condição a fez experimentara dor do estupro. Aqualtune ouviu falar de Palmares e, ainda que reduzida a essa função, não perdeu a coragem. Embora em estado de gravidez avançada, fugiu, liderando um grupo de 200 pessoas para a liberdade. Chegando em Palmares, foi reconhecida como da Realeza e tornou-se líder do Quilombo:

A mãe de Ganga Zumba e avó materna de Zumbi dos Palmares foi mulher de relevância, uma guerreira hábil, reconhecida por sua gente mesmo depois de sua morte.

MARQUES, R. “Consciência Negra: Uma Questão de Identidade”

Quando o Quilombo de Palmares foi formado, o mesmo pertencia a Pernambuco. Com a divisão das terras, ele passou a pertence ao Estado de Alagoas. Foram as palmeiras árvores agrestes que deram ao terreno o nome de Palmares. Delas se faziam vinhos, azeite, sal, roupas e suas folhas serviam para cobrir as casas, bem como o seu fruto alimento para o sustento dos Quilombos. Era um Quilombo de difícil acesso, os soldados tinham que caminhar entre espinhos, matas espessas, precipícios, além da falta d’água, tornando-se impossível o acesso ao local. Destruir Palmares significava negros para serviço. Palmares era composta pelas cidadezinhas: Macaco, centro político-administrativo; Subupira, campo de treinamento; Amaro, Andalaquituche, Aqualtune, Acotirene, Tabocas, Osenga, Dambragança e outros. Ficavam aproximadamente a cem quilômetros da capital Macaco e do campo de treinamento. 

Entre o período de 1670 a 1687 Palmares foi governada pelo Rei Ganga-Zumba (que quer dizer Senhor Grande – Rei e Senhor de todos os que são de Palmares, e dos que chegam) que vivia na fortaleza Quilombola do Macaco, fundada em 1642. 

Aqualtune, Acotirene (lideranças dos Quilombos que trazem os mesmo nomes) e tantas outras mulheres que fizeram e fazem dessa luta um sonho de um mundo melhor e mais justo estavam, também, PRESENTES! 

AZEVEDO, T. S. et al. “3. A mulher preta na historiografia brasileira: análise da ausência de mulheres negras em livros didáticos de História do Ensino Fundamental II e Ensino Médio” In: “Práticas Educativas antirracistas:Desafios, Perspectivas e Estratégias em pesquisa”. Editora Científica Digital, 2023.

Aqualtune- Segundo Costa, (2017), Aqualtune foi uma Princesa guerreira, filha do rei do Congo, que liderou um exército de 10.000 homens em batalha. Foi derrotada, capturada e vendida como escravizada reprodutora. Aqualtune ouviu falar de Palmares e, mesmo reduzida a essa triste função, não perdeu sua coragem. Mesmo em estado de gravidez avançada, não pensou duas vezes e fugiu, liderando um grupo de 200 pessoas para a liberdade. Chegando em Palmares, foi reconhecida como da Realeza e tornou-se líder do Quilombo. Foi mãe de Ganga Zumba e avó materna de Zumbi dos Palmares. Mulher de relevância, guerreira hábil, reconhecida por sua gente mesmo depois de sua morte. E sua prole de sangue forte perpetuou sua luta.

MACHADO, L. M. S. “Zumbi: Herói ou Vilão?”. In: MIRANDA, C. et al. “Relações étnicorraciais na escola: desafios teóricos e práticas pedagógicas após a Lei 10.639”, 2011.

  • A princípio o critério adotado em Palmares para escolha do chefe era ser descendente de nobres da África, por isso Aqualtune recebeu logo o governo de um aldeia, com o passar do tempo outros critérios foram criados ser guerreiro e guia religioso homens não nobres, mas que se destacavam na comunidade transformavam-se também por mérito em chefes. 
  • Em 1630, Pernambuco encontrava-se em guerra com os holandeses, que almejavam os lucros provenientes do açúcar, estes estavam nas mãos de portugueses e espanhóis, ambos tinham o mesmo rei. Essa guerra proporcionou o aumento da população de Palmares, pois segundo uns historiadores os donos de engenho alistavam escravos para lutar oportunizando as fugas. Entre os fugitivos estava uma princesa negra de nome Aqualtune. 
  • Alguns historiadores relatam que Zumbi como ficou conhecido, nasceu em 1655 no quilombo de Palmares e era neto da princesa Aqualtune. Outros mencionam fatos de sua família, como da avó princesa Aqualtune e de seus filhos Ganga Zumba, Gana Zona e suas filhas, não sendo citado os nomes nem a quantidade, pois não foram conhecidas, referem-se apenas a uma delas que teria sido a mãe de Zumbi. 

 

CARNEIRO, Edison. “O Quilombo dos Palmares”, Companhia Editora Nacional: São Paulo, 2ª Edição (Revista), 1958.

  • “a 25 léguas a noroeste de Pôrto Calvo, o mocambo de Aqualtune, mãe do rei;” p. 57
  • “Quanto a outros mocambos, há apenas conjeturas sôbre a sua localização. O de Andalaquituche, irmão do Zumbi, devia ficar na Serra do Cafuxi; o de Aqualtune, mãe do rei, em São José da Laje;”
  • “O rei era filho de Aqualtune e vivia com três mulheres, duas negras, uma mulata. As duas primeiras eram estéreis, mas da mulata teve muitos filhos quatro ou cinco, pelo que se sabe. Tinha dez netos.”
  • “Não muito idoso, porém, pois em 1677 o rei se escapou duas vêzes, quando Fernão Carrilho assaltou as suas praças-fortes nos mocambos de Aqualtune e do Amaro”
  • “Ora, apesar de todos êstes erros, o documento da Tôrre do Tombo foi certamente escrito por alguém que tinha conhecimento íntimo das lutas nos Palmares. Certos nomes· de mocambos estão evidentemente errados e, como tudo indica que o quilombo se constituiu cm maioria de negros de língua bântu, são muito improváveis os nomes de Aqualtune, Acaiuba, Arotirenc, Acaiene, Andalaquituche .. . que entretanto devemos conservar, à falta dos nomes verdadeiros.”
  • “A tropa cheg-ou diante do mocambo de Aqualtune, mãe do rei, 110 dia 4 de outubro. Parece que os negros estavam descuidados, pois só no último momento, quando pressentiram os homens de Fernão Carrilho, abandonaram a cêrca, sem tentar qualquer espécie de defesa. As fôrças !xpedicionárias mataram muitos negros e prenderam 9 ou 10, que não puderam escapar a tempo. O rei Ganga-Zumba fugiu. A rainha-mãe, ao que parece, estava ausente, mas uma das suas damas de companhia foi encontrada morta, alguns dias mais tarde.” (p. 112-113)
  • “Receberam todos os soldados com bom inimo estas razões e logo partiram em demanda da Cêrca de Aqualtune, êste é o nome da mãe do rei, que assiste em um mocambo fortificado, 30 léguas distante de Pôrto Calvo, ao noroeste; contavam-se então 4 de outubro; tanto que do mocambo se sentiu a nossa gente, precipitadamente desampararam a cêrca; deram sôbre êles os nossos, mataram muitos, e surpreenderam 9, ou 10; a mãe do rei nem viva nem morta apareceu, e passados alguns dias se achou a dona que a acompanhava, morta.” (p. 212)
  • “Zumbi, Malunguinho, Manuel Congo e Cosme eram, sem dúvida, os chefes "mais hábeis ou mais sagazes", mas nos Palmares a mãe, um irmão e dois sobrinhos do rei eram chefes de mocambo e os seis neB'ros encontrados na Carlota em 1795, remanescentes da primeira expedição, eram "os regentes, padres, médicos, pais e avós do pequeno povo que formava o atual quilombo ... "” (p. 23)
  • RELAÇÃO DAS GUERRAS FEITAS AOS PALMARES DE PERNAMBUCO NO TEMPO DO GOVERNADOR D. PEDRO DE ALMEIDA, DE 1675 A 1678:
  • “Receberam todos os soldados com bom inimo estas razões e logo partiram em demanda da Cêrca de Aqualtune, êste é o nome da mãe do rei, que assiste em um mocambo fortificado, 30 léguas distante de Pôrto Calvo, ao noroeste; contavam-se então 4 de outubro; tanto que do mocambo se sentiu a nossa gente, precipitadamente desampararam a cêrca; deram sôbre êles os nossos, mataram muitos, e surpreenderam 9, ou 10; a mãe do rei nem viva nem morta apareceu, e passados alguns dias se achou a dona que a acompanhava, morta.”

KENT.

  • s, the first Portuguese expedit against Palmares attained little by way of military victory. Nothing e however, is heard of Palmares until the mid-i63os. Do Salvador's hist of Brazil, written in 1629, and recently published official documents the years 1607-33 are equally silent on Palma
  • creasing palmarista milita after 1630 can safely be associated with slaves who took advantage of Dutch presence to escape and who eventually found their way Palmares. 



 

NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.PRICE, Richard. Palmares como poderia ter sido. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Liberdade por um fio: história do quilombo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996

 

SOUZA, Marina de Mello e. “Além do Visível”. Edusp: São Paulo, 2020.

  • Livro sobre outra rainha guerreira, cuja trajetória claramente influenciou a lenda da Aqualtune.

 

THORNTON, John K. “Les États de l'Angola et la formation de Palmares (Brésil)”. Annales. Histoire, Sciences Sociales, 63e Année, No. 4 (Jul. - Aug., 2008), pp. 769-797



 



 

Sobre a imagem escolhida:

É uma imagem do século XIX de Marc Ferrez, que possui várias fotos do cotidiano brasileiro, assim como várias fotos de mulheres e homens negros. Essa foto foi escolhida pois é a mais difundida associada com aqualtune, embora seja tirada no RJ ao invés do nordeste e nem sequer se saiba qual a etnia da mulher fotografada, ou seu nome ou função. Porém, possivelmente essa é uma imagem muito disseminada pois mostra uma bela mulher com uma pose dignificada, ricamente adornada e portando trajes belos. O detalhe em especial dos panos que traz enrolados na cabeça é fundamental para entender porque que essa imagem é tão associada à aqualtune. O detalhe do pano se assimila a uma coroa, algo que, no nosso olhar ocidental, está associado a realeza. E Aqualtune seria uma princesa, líder de um quilombo e de linhagem real. Logo, a combinação dos ricos adornos, roupas e da suposta coroa passam a imagem certa com a qual Aqualtune entrou para a memória coletiva.

Uma segunda imagem cogitada foi a de uma etnografia do século XiX mostrando uma mulher da mesma etnia que Aqualtune. Essa representação é interessante por conta dos traços em comum que essa mulher poderia ter tido com a heroína, mas também pelos adereços, que irão mostrar possivelmente como de fato a Aqualtune se adornaria. Porém, a efetividade ilustrativa desta imagem para por aí: Ela não se encontra ricamente adornada como princesa. Seu olhar também é o olhar gentil que a visão do seu desenhista europeu vai criar. A imagem não é uma fonte neutra, ela conta uma história. E a história que essa conta é uma de europeus entrando no continente africano para fazer o estudo dessas sociedades que eles consideram subumanas. Desenhos de africanos lado a lado com a fauna e a flora do local, uma verdadeira análise científica desse exótico que encontram. E o olhar do desenhista vê uma mulher dócil, de olhar gentil, despida e com adornos simples.

 

Responsável: Amanda Araújo Parente - Graduação em História (FFLCH/USP)